Julgo que não há dúvida de o prontuário eletrônico é um recurso para avaliar a qualidade do trabalho da equipe de saúde. Inclusive se este trabalho é em equipe e centrado no(a) usuário(a). O que preciso saber é se a demanda por uma plataforma de prontuário eletrônico com funcionalidades para colaboração interprofissional vem do ponto do cuidado ( e das instituições de ensino de saúde [Cruz, 2023]) ou não.

Inicio com uma definição de termo sobre “colaboração interprofissional” que, segundo Araújo (2017), envolve aspectos relacionais, organizacionais e estratégicos que configuram o trabalho em equipe e a governança clínica no cotidiano dos serviços. Assim sendo, a clínica (junto com o[a] paciente) funda-se na tomada de decisão colaborativa, compartilhada, participativa, inclusiva, integrativa e, enfim, ampliada não só com as demais profissões, mas também incluindo no processo de cuidar o(a) paciente e família e/ou a comunidade.

Isto posto, quanto ao desafio proposto nesta tarefa, cabe observar, conforme constataram Oliveira et al (2020), que no Brasil há problemas da colaboração interprofissional em saúde em quatro diferentes níveis: o da formação profissional, das relações intersubjetivas, igualmente dos fatores organizacionais e estruturais.  Destaco neste momento os fatores organizacionais (fragmentação do trabalho, modelo biomédico, exclusão do[a] paciente, por ex) e estruturais (hierarquia na  gestão do sistema[as equipes se sentem desresponsabilizadas pela organização do seu próprio processo de trabalho]) por entender que estes fatores impactam na adoção de plataformas de prontuários eletrônicos com funcionalidades para a colaboração da equipe interprofissional e com o(a) usuário(a) de saúde (paciente)

Em uma busca no Portal da Biblioteca Virtual de Saúde usando os descritores “prontuário eletrônico” AND “interprofissional” só retornou um único texto que foi descartado por não abordar um modelo interprofissional de prontuário eletrônico. A busca no PubMed com os descritores (electronic heatlh record plataform) AND (interprofessional) não retornou nenhum resultado também. Usei estes mesmos descritores no Google e encontrei vários artigos que tratam sobre o impacto do prontuário eletrônico sobre a prática colaborativa (redução do contato presencial, por ex), com ênfase na necessária colaboração interprofissional, mas não no desenvolvimento de um modelo de plataforma que facilite o registro eletrônico desta colaboração. Em seu estudo, Bardach et al (2017), assim como Nie et al (2023), recomendam que pesquisas futuras devem explorar como criar o uso padronizado de registros clínicos eletrônicos em todas as profissões no nível ideal para apoiar a comunicação e o atendimento à pessoa usuária do sistema de saúde.

Cabe ressaltar que Lin et al (2020) e Nie et al (2023) criaram módulos e os testaram com a equipe interprofissional, concluindo que devido ao caráter colaborativo dessas ferramentas, seu uso efetivo por todos os membros da equipe pode impactar positivamente a percepção do(a) usuário sobre a tecnologia prontuário eletrônico.

Por fim, concluo que no Brasil o trabalho em equipe interprofissional de saúde com centralidade no paciente não está consolidado. A mensagem chave é: o desenvolvimento de um modelo de plataforma de “prontuário eletrônico interprofissional da pessoa” tem o potencial de impactar positivamente (tomada de decisão fundamentada, por ex) tanto no ensino de saúde quanto nas instituições assistenciais.

Referências:

Cruz, Isabel. Oficina Interprofissional de Saúde: construindo uma experiência de prática. NEPAE/UFF. Niterói, 07/05/2023. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=2630

Araújo, Eliezer Magno Diógenes. A Colaboração Interprofissional na Atenção Primária à Saúde: Estudo comparativo entre Brasil e Portugal. 2017. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2017.

Oliveira, Argus Tenório Pinto de; et al Desafios da colaboração no trabalho interprofissional em saúde. In:_____; Passos, Maria Fabiana Damásio (Org.). Em mar aberto: colaboração e mediações tecnológicas na educação permanente em saúde. 1 ed. Porto Alegre: Rede Unida, 2020. p. 13-34.

Bardach SH, Real K, Bardach DR. Perspectives of healthcare practitioners: An exploration of interprofessional communication using electronic medical records. J Interprof Care. 2017 May;31(3):300-306. doi: 10.1080/13561820.2016.1269312. Epub 2017 Feb 2. PMID: 28151026; PMCID: PMC5896008.

Nie JX, Heidebrecht C, Zettler A, Pearce J, Cunha R, Quan S, Mansfield E, Tang The Perceived Ease of Use and Perceived Usefulness of a Web-Based Interprofessional Communication and Collaboration Platform in the Hospital Setting: Interview Study With Health Care Providers JMIR Hum Factors 2023;10:e39051 doi: 10.2196/39051

Lin, H.-J.; Ko, Y.-L.; Liu, C.-F.; Chen, C.-J.; Lin, J.-J. Developing and Evaluating A One-Stop Patient-Centered Interprofessional Collaboration Platform in Taiwan. Healthcare 20208, 241. https://doi.org/10.3390/healthcare8030241

Como citar:

Cruz, ICF da Interprofissionalidade e o Prontuário Eletrônico da Pessoa (PEP). NEPAE/UFF. Niterói, 18/06/2023. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3050

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