Pressuposto: nosso interesse comum é desconstruir o Racismo Institucional (RI)  no SUS, assim como o sexismo e demais ideologias opressivas. Contamos com Tempo para o alcance desta meta.

Iniquidade etnicorracial na razão de mortalidade materna (que é indecente para todxs!!)

Na figura acima, nota-se o racismo institucional identificado nas diferenças injustas dos resultados do cuidado de saúde por causas preveníveis e tratáveis entre a população negra (vulnerável) e a população branca (hegemônico).

Contato ocular estabelece o encontro clínico

Cabe ressaltar que é no ENCONTRO CLÍNICO, onde a pessoa negra (autodeclarada preta ou parda) está sujeita à avaliação subjetiva (viés implícito) do(a) trabalhador(a) ou gestor(a) ou profissional de saúde. No (des)encontro clínico é onde ou quando inicia a discriminação que posteriormente é identificada nos diferenciais quanto às elevadas taxas de insucesso em doenças preveníveis ou de tratamento conhecido entre os diferentes grupos populacionais.

O dano à pessoa no ponto do cuidado aparece nos dados epidemiológicos do grupo populacional vulnerável

Com muita luta dos movimentos sociais, ao longo dos séculos, o Brasil reconheceu o racismo institucional  contra a população negra no Sistema Único de Saúde (SUS) e aprovou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), lei 12.288/10, para combater e prevenir as iniquidades raciais em saúde. Mas até este ponto, muita coisa aconteceu e muitas pessoas, além de Tempo, contribuíram para esta conquista.

linha de Tempo na PNSIPN

Destaco a liderança de Edna Roland que junto com o Movimento Negro,  na administração de Luiza Erundina, na Prefeitura de São Paulo, implanta o quesito cor, por meio da Portaria 696/90, e permitiu conhecer a morbimortalidade da população negra nessa cidade. Fátima Oliveira atuou para a inclusão do quesito cor na resolução sobre Ética em Pesquisa. Posteriormente, os dados coletados, na cidade de São Paulo, foram analisados por Maria Inês Barbosa e tornaram-se informação sobre racismo contra a população negra no SUS em sua tese de doutorado (Cruz, 2020).

linha de Tempo na PNSIPN

A Conferência de Durban reverberou no Brasil. Embora o Ministério da Saúde tenha feito um manual de “doenças na população afro-brasileira” para distribuir no evento, ignorando o principal problema, a saber: o racismo institucional, em Durban, a relatora da Conferência foi Edna Roland. A OMS/OPAS convidou Luiza Bairros para coordenar as ações de enfrentamento do racismo institucional no sistema de saúde. Para tanto, foi realizado um Workshop Interagencial Saúde da População Negra, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2001, em Brasília, DF, por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD e da Organização Pan-Americana da Saúde/OPAS. O produto deste evento foi embrião da PNSIPN, ou seja, a publicação Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de eqüidade, da qual eu, Isabel Cruz, tive a honra de ser uma das colaboradoras. Na linha de Tempo, vale destacar, em 2003, a Moção nº 025, proposta e defendida por Fátima Oliveira, da Coordenação Nacional de Entidades Negras, na 12ª Conferência Nacional de Saúde, pela realização do Seminário Nacional de Saúde da População Negra. O seminário foi organizado principalmente por José Marmo na gestão da ministra Matilde Ribeiro.

linha de Tempo na PNSIPN

Na linha de Tempo, em 2005, diante da iniquidade revelada na taxa de mortalidade materna que por si só denuncia também misoginia, colaborei na redação do documento Perspectiva da Eqüidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal Atenção à Saúde das Mulheres Negras para o Ministério da Saúde. O destaque é para a aprovação, em 2006, pelo Conselho Nacional de Saúde, da PNSIPN cujo objetivo é “combater o racismo e a discriminação étnico-racial nos serviços e atendimentos oferecidos no Sistema Único de Saúde, bem como promover a equidade em saúde da população negra”. A médica Jurema Werneck preside a Conferência Nacional de Saúde. É lançado pela Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) o curso Saúde da População Negra, uma proposta do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN/MS) que designou Maria do Carmo Monteiro e eu, Isabel Cruz, como coordenadoras.

Não foram poucas as resistências à PNSIPN. Uma alegação é que esta política enfraquece o SUS quando afirma que há racismo no acesso à saúde. Quem diz isso, faz questão de ignorar o propósito da política: desconstruir o racismo (e demais ideologias opressivas) nos processos de gestão e de cuidar em saúde. A PNSIPN impõe a provedores(as) e gestores(as) do SUS a avaliação da qualidade do acesso com base em indicadores que considerem, no mínimo, a dignidade humana.

PNSIPN como solução para consolidação do SUS

Participação social, controle social, não há SUS sem o(a) usuário(a) de saúde. Neste sentido, a aprovação de leis, tal como a PNSIPN, sobre os direitos dos(as) pacientes foi uma conquista do Movimento Social. Mas, vemos que ter apenas a lei não é suficiente. 

NOSSO PROBLEMA CONTINUA:

Coalização e marketing social por área técnica


•O Brasil reconheceu o racismo institucional  contra a população negra no Sistema Único de Saúde (SUS) e aprovou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), no Conselho Nacional de Saúde e a incluiu na lei 12.288/10, o Estatuto da Igualdade Racial.

Mas, não criou instâncias de gestão para implantar, implementar, monitorar e avaliar a PNSIPN.

É preciso avançar para a implantação e implementação da PNSIPN. Você pode contribuir para a consolidação desta política. Veja a seguir como.

Roda de Intervenções em Saúde das Populações

Um referencial interessante, no meu entender, é a Roda de Intervenções em Saúde das Populações (Minnesota Department of Health, 2019) que define o escopo da prática da(o) enfermeira(o) por tipo de intervenção e nível de prática (indivíduo/família, comunidade ou sistemas). Na linha de Tempo, é possível identificar várias ações realizadas visando o enfrentamento do racismo institucional, como por exemplo:

Formação de coalizões que ajuda a promover e desenvolver alianças entre organizações ou instituições para um propósito comum. Constrói vínculos, resolve problemas e/ou fortalece a liderança local para abordar questões de saúde.

Marketing social é um processo “que usa princípios e técnicas de marketing para mudar os comportamentos do público-alvo para beneficiar a sociedade, bem como o indivíduo” (27 de outubro – Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra)

Organização comunitária é “o processo pelo qual as pessoas se reúnem para identificar problemas ou objetivos comuns, mobilizar recursos e desenvolver, bem como implementar estratégias para alcançar os objetivos que desejam realizar”, tal como a RENAFRO (Rede Nacional das Religiões Afro-Brasileiras e Saúde).

Defensoria (advocacy) é o ato de promover e proteger a saúde de indivíduos e comunidades “através da colaboração com as partes interessadas, relevantes, facilitando o acesso a serviços sociais e de saúde, envolvendo ativamente os principais tomadores de decisão para apoiar e promulgar políticas para melhorar os resultados de saúde da comunidade”

Principalmente, o desenvolvimento de políticas e implementação que coloca as questões de saúde nas agendas dos tomadores de decisão, estabelece um plano de resolução, determina os recursos necessários o que resulta em leis, regras e regulamentos, decretos e políticas. A implementação de política obriga os outros a cumprir as leis, regras, regulamentos, portarias e políticas criadas.

TDICs e PNSIPN

A saúde digital tem recursos potenciais para o enfrentamento do racismo institucional. Todavia, junto com as novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) surge um novo determinante social: a “cisão digital” (digital divide), ou seja, a distância (gap) entre as pessoas que têm acesso às tecnologias e à cultura digital, bem como habilidades para usufruí-las e aquelas pessoas que não têm.

Na perspectiva da PNSIPN, a cisão digital em sinergismo com o racismo institucional pode intensificar as disparidades e comprometer o acesso à saúde digital (prontuário eletrônico, por ex) e o uso de suas funcionalidades como os cuidados interprofissionais por telessaúde.

Mensagem chave

Conforme lembro das companheiras e companheiros neste breve período na linha de Tempo da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, posso afirmar, valendo-me de uma reflexão do povo Hopituh, originário das Américas, que “nós somos aquelas(es) por quem estávamos esperando!”

Se ainda não está trilhando conosco esta jornada pela desconstrução das ideologias opressivas, venha, porque nossa hora é agora.

Referências

Minnesota Department of Health. (2019). Public health interventions: Applications for public health nursing practice (2nd ed.).

Cruz, Isabel CF da. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra –PNSIPN na Atenção Primária à Saúde (Digital): promovendo a equidade no ponto do cuidado. Boletim NEPAE-NESEN, [S.l.], v. 18, n. 1, maio 2021. ISSN 1676-4893. Disponível em: <http://www.jsncare.uff.br/index.php/bnn/article/view/3427/905>

Cruz, ICF da O quesito raça-cor: informação ou categoria de produção do conhecimento antirracista? GT Mulheres na Ciência UFF, Niterói, 27 nov, 2020. Disponível em https://youtu.be/vtVQaoTdxOI

CRUZ, Isabel CF da. Anotações sobre como os profissionais de saúde podem desconstruir o racismo institucional dirigido à população negra no SUS. Boletim NEPAE-NESEN, [S.l.], v. 13, n. 2, oct. 2016. ISSN 1676-4893. Disponível em: <http://www.jsncare.uff.br/index.php/bnn/article/view/2867/709>. Acesso em: 09 july 2023.

Como citar

Cruz, ICF da Tempo e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). NEPAE/UFF. Niterói, 27/06/2023. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3130

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