Justiça reprodutiva ( Pro-Choice Public Education Project, SisterSong Women of Color Reproductive Justice Collective , sd) é um paradigma teórico e modelo para as organizações de mulheres negras analisarem os sistema de poder, sendo um referencial centrado nestes direitos humanos interconectados:
•o direito à autonomia corporal pessoal
•o direito de não ter filhos usando método contraceptivo seguro, aborto ou abstinência;
• direito de ter filhos sob as condições que escolhemos; e
•o direito de criar os filhos que temos em ambientes seguros e saudáveis.
A partir de um convite do SESC SP para conduzir uma roda de conversa online sobre os desafios da amamentação para a mulher negra, em agosto/2022, como parte integrante da programação de ação em rede intitulada Do Peito ao Prato, em convergência com a Semana Mundial de Aleitamento Materno, iniciei alguns questionamentos, a saber: como fica ou como está o aleitamento humano, em especial para as mulheres negras, no cotidiano das nossas relações sociais de gênero e raça (trabalho doméstico, cuidado das crianças e dos idosos, emprego informal, violência, entre outras questões)?
O desafio que imposto era mostrar como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) dialoga com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), assim como com a Política Nacional de Saúde Integral da População LGBT+, entre outras políticas de equidade social, assim como com o movimento feminista negro, destacando como o racismo, o sexismo, lesbofobia, transfobia e a misoginia são determinantes sociais da saúde. Consequentemente, num contexto discriminatório, o período da gestação, parto, puerpério e amamentação, conforme o pertencimento da mulher a um grupo populacional socialmente vulnerável, resulta em morbidade e até mortalidade desiguais e, principalmente, por causas preveníveis.
De acordo com Barbosa et al (2021), a interseccionalidade, com base em estudos de Kimberle Crenshaw, Patricia Hill Collins, entre outras pesquisadoras e ativistas do feminismo negro, é uma teoria que nos ajuda a analisar, a “ler a sociedade” e verificar de que forma “as categorias sociais e culturais se entrelaçam”, constituindo sistemas de opressão e dominação dentro das relações interpessoais e institucionais.
Não estamos bem. A seguir alguns dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI 2019) publicado pela UFRJ (2019).
- metade das crianças brasileiras são amamentadas por mais de 1 ano e 4 meses. Quase todas as crianças foram amamentadas alguma vez (96,2%), sendo que dois em cada três bebês são amamentados ainda na primeira hora de vida (62,4%).
- No Brasil, chegamos a 62,4% de amamentação na primeira hora de vida, 45,8% de aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses, 52,1% aos 12 meses e 35,5% aos 24 meses de vida.
- Metade das crianças brasileiras de até 2 anos usa mamadeiras, chuquinhas e chupetas
- 🚨Uma em cada cinco mães brasileiras amamentou o filho de outra pessoa ou deixou seu filho ser amamentado por outra mulher (amamentação cruzada). ⚠️Uma prática tradicional do universo feminino – contraindicada pelo Ministério da Saúde devido ao risco de transmissão do HIV – é mais frequente na região Norte (34,8%) e entre mulheres pretas (24,8%) e pardas (23,7%). A prevalência dessa prática é de 21,3% no Sudeste, 20,3% no Nordeste, 18,7% no Centro-Oeste, 12,5% no Sul e de 15,5% entre mulheres brancas.
- A doação para bancos de leite humano (BLH) é relativamente baixa: apenas 4,8% das mães de crianças com menos de dois anos de idade aderiram à prática.
Há estudos que apontam as razões apenas para as mulheres, futuramente, deveremos ter estudos sobre o impacto da amamentação para os homens trans. Na figura a seguir a síntese das razões e uma sugestão de intervenção em saúde: ensino de saúde online mediado por aplicativo.
Metas da OMS quanto à amamentação para 2030:
Espera-se que se alcance a taxa de 70% na primeira hora de vida, 70% nos primeiros seis meses, de forma exclusiva, 80% no primeiro ano e 60% aos dois anos de vida.
Mas como alcançar esta meta numa sociedade patriarcal e patrimonialista?
Mensagem chave
O aleitamento humano é um fenômeno político relacionado a dois grupos populacionais socialmente vulneráveis: mulheres e crianças. Descontruir as ideologias opressivas é uma das condições para estabelecer o direito da criança à amamentação e da mulher (e homem trans) de amamentar.
Julgo necessário, por meio da Justiça Reprodutiva, estabelecer meta(s) de equidade étnico-racial (brancas, pretas & pardas) no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Igualmente, estabelecer meta(s) de equidade étnico-racial e de gênero em todas as políticas e cargos públicos para alcançarmos a meta preconizada pela OMS.
♀ Desenvolvimento sustentável com igualdade/equidade econômica e social?
♀ Direito ao pré-natal e ao preparo para o parto e aleitamento
♀ Direito ao parto natural
♀ Direito à primeira mamada na Sala de Parto
♀ Direito ao Alojamento Conjunto
♀ Direito à berçário e creche públicos
♀ Direito à escola integral
♀ Direito à terra com igualdade/equidade para as mulheres do campo e da floresta?
♀ Cultura, esporte, comunicação e mídia?
♀ Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia ?
♀ Igualdade/equidade para as mulheres jovens, idosas e mulheres com deficiência?
Referências
Pro-Choice Public Education Project (PEP), SisterSong Women of Color Reproductive Justice Collective, “Reproductive Justice Briefing Book: A Primer on Reproductive Justice and Social Change,” Women’s Knowledge Digital Library, accessed June 29, 2023, https://womensdigitallibrary.org/items/show/1219.
Barbosa JPM, Lima R de CD, Santos G de BM, Lanna SD, Andrade MAC. Interseccionalidade e violência contra as mulheres em tempos de pandemia de covid-19: diálogos e possibilidades. Saude soc [Internet]. 2021;30(2):e200367. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902021200367
Carrera, F. (2021). Roleta interseccional: proposta metodológica para análises em Comunicação. E-Compós, 24. https://doi.org/10.30962/ec.2198
UFRJ. Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. RJ: UFRJ, 2021. (108 p.). Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/index.php/relatorios/. Acesso em: 12/04/2022.
Como citar:
Cruz, ICF da Justiça Reprodutiva: Semana Mundial de Amamentação ou de Aleitamento Materno ou de Aleitamento Humano? NEPAE/UFF. Niterói, 30/06/2023. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3179