Quando discutimos sobre a desconstrução do racismo institucional quanto à saúde da população negra, é fácil perder de vista que ele acontece, principalmente, nos processos administrativos e, raramente, na forma de injúria racial. Assim, como o Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra-PMSIPN (lei municipal Lenora Mendes Louro, 7749/2022, de autoria dos(as) vereadores(as) Tainá de Paula, Thais Ferreira, Monica Benicio, Lindbergh Farias, Reimont, Paulo Pinheiro, Rocal, Inaldo Silva, João Mendes de Jesus, Tarcísio Motta e Chico Alencar.), decorrente da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra-PNSIPN, uma solução para o enfrentamento dos racismos, pode se integrar perfeitamente no encontro clínico, nos processos, protocolos e procedimentos do sistema de saúde, bem como na gestão e orçamento de saúde?

Cabe observar que a lei, no que se refere ao orçamento, determina que:
👉🏾Art. 2º O Programa Municipal de Saúde Integral para a População Negra será regido pelas seguintes diretrizes:
📍I – garantia da inclusão deste programa no Plano Municipal de Saúde e no Plano Plurianual setorial, em consonância com as realidades e necessidades locais, do monitoramento, fiscalização e avaliação pelos conselheiros de saúde de distritais, conforme a Resolução CNS nº 453, de 10 de maio de 2012, itens IV, V, VI, VII, VIII, IX e X;
📍IV – criação de instrumentos de gestão e indicadores para monitorar e avaliar o impacto da execução deste programa;
👉🏾Art. 5º O Poder Executivo disporá de ⚠️órgão técnico competente que implante, monitore e avalie a execução do Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra, com vistas à superação de barreiras estruturais e cotidianas que incidem na saúde dessa população.
✊🏾Parágrafo único. O Comitê Técnico de Saúde da População Negra – CTSPN atuará em conjunto com o órgão técnico a que se refere o caput a partir das atribuições elencadas na Resolução SMS nº 1.298, de 10 de setembro de 2007.
💲Art. 6° As despesas decorrentes desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Assim, salvo melhor juízo, ainda que haja soluções dispersas por aí, apoiadas ou não por evidências científicas sólidas, é preciso localizar, aplicar e também torná-las acessíveis, disponíveis para implementação do PMSIPN. Igualmente, o PMSIPN tem que fazer parte do plano de saúde com sustentabilidade financeira para cumprir seu propósito original: a desconstrução de ideologias opressivas, tais como o racismo e o sexismo institucionais. Isto exige recursos financeiros, criatividade e inovação de modo a aproximar o que podemos fazer com o conhecimento e as tecnologias disponíveis, resultando em melhores indicadores para a saúde da população negra.

O PMSIPN é uma solução inovadora. Sua implantação, implementação, monitoramento e avaliação requerem, no mínimo, um fazer diferente. Contudo, o PMSIPN foi aprovado para que façamos melhor. Há um ditado africano que diz “se quer ir rápido, vá só; mas, se quer ir longe, vá em grupo” e, como o PMSIPN, tal como a PNSIPN, é uma política de Estado, para sua realização é preciso o trabalho de muitas pessoas. Neste sentido, propus adotar a estratégia do Laboratório de Inovação em Saúde para dar suporte ao PMSIPN.

Segundo a OPAS (sd), os Laboratórios de Inovação em Saúde (LIS) promovem a colaboração e a troca de conhecimentos entre gestores(as), trabalhadores(as) e diversos outros(as) atores(atrizes) envolvidos(as) na área da saúde, visando a disseminação de práticas bem-sucedidas.

Enquanto apoio ao PMSIPN, o CTSPN aprovou minha proposta de criação do Laboratório de In​​​​ovação em Saúde da População Negra – LISPN, com o objetivo de criar um espaço onde gestores(as), profissionais, controle social, entre outros, possam  propor solução criativa para os desafios decorrentes da implantação, implementação, monitoramento e avaliação do PMSIPN, reiterando processos que consolidem a prática interprofissional e intersetorial, baseada em evidência e centrada no encontro clínico sem vieses.

O orçamento público é o instrumento utilizado pelo governo para planejar a utilização do dinheiro arrecadado com os tributos e, assim, oferecer serviços públicos adequados, tal como a saúde.

No que se refere à gestão e ao controle social em saúde da população negra, por meio do orçamento público é possível acompanhar as despesas do governo com a desconstrução do racismo institucional e a equidade racial nos melhores resultados de saúde, desde que, obviamente, o Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra esteja incluído.

Está posto o desafio de desenvolver competência estrutural, ou seja, competência requerida aos agentes que atuam nos processos de suporte às atividades desempenhadas pelos órgãos da administração, sobre gestão orçamentária em saúde da população negra. E este desafio será abordado neste Laboratório de Inovação em Saúde (LIS).

Laboratóri💡 de Inovação em Saúde da População Negra (LISPN)




espaço onde gestores(as), profissionais, controle social, entre outros, possam  propor solução criativa para os desafios decorrentes da na implantação, implementação, monitoramento e avaliação do PMSIPN, utilizando  processos que consolidem a prática interprofissional/intersetorial, baseada em evidência e centrada no encontro clínico isento de vieses

Reconhecendo este desafio, constato que é preciso avançar no desenvolvimento de competência estrutural em gestão de programas e políticas em saúde da população negra com uma trilha de aprendizagem sobre planejamento orçamentário de curto prazo (LDO e LOA), médio prazo (PPA), execução orçamentária e financeira, bem como monitoramento e avaliação do plano operativo.

Quesito cor e vivência de discriminação são a base da gestão orçamentária em saúde da população negra

De modo que a implementação do PMSIPN consiga entregar resultados, tais como a integração de ações em saúde da população negra e desconstrução do racismo institucional, é imperativo que o planejamento orçamentário do município deixe de ser uma incógnita para a sua gestão e controle social. Cabe ressaltar que com a lei Lenora Mendes Louro, a equidade racial passa a ser uma prioridade programática do governo municipal.

Assim, para ter o PMSIPN incluído no orçamento público, permitindo à Assessoria Técnica executar suas receitas e despesas, propus esta Oficina de Gestão Orçamentária em Saúde da População Negra, como primeira atividade do LISPN, visando o desenvolvimento de competência estrutural administrativa na identificação e uso das ferramentas e recursos adequados para o alcance da equidade racial nos melhores resultados de saúde. Neste sentido, ao final da Oficina, o(a) participante deverá ser capaz de
🎯 Operacionalizar no município a gestão orçamentária e financeira em saúde da população negra.

Quanto ao perfil das pessoas inscritas, destaco a relação com a saúde da população negra:

Respostas dos(as) participantes

Dentre as pessoas participantes, conforme a figura acima, a maior parcela tem vinculação com o controle social, sendo seguida pela gestão. Cabe destacar a representação do judiciário e a ausência de representação do legislativo.

Quanto a ações orçamentárias em saúde da população negra e enfrentamento do racismo institucional no município de origem, a maior parcela (38) respondeu que não há ou desconhece ou utiliza recursos de diversas áreas, principalmente, da Atenção Básica. Duas pessoas inscritas, oriundas do mesmo município, apontaram as seguintes ações orçamentárias:

4230 | REALIZAÇÃO DE CAMPANHAS PERMANENTES DE COMBATE AO MACHISMO, RACISMO E À LGBTFOBIA
6330 | REALIZAÇÃO DE CURSOS DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL SOBRE ENFRENTAMENTO AO RACISMO INSTITUCIONAL
6028 – REALIZAÇÃO DO MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Uma pessoa prestou a seguinte informação:

No PMS 2022-2025 do Rio de Janeiro está prevista na ação 2.4.5 Realizar atividade da Política de Saúde Integral da População Negra com dotação de R$ 645. 645,00.

As demais declararam o uso de recursos de outros programas ou de não ter acesso a relatórios que prestem contas da aplicação.

No que se refere à pergunta “No município do Rio de Janeiro, o GT Lenora Mendes Louro publicou um relatório com algumas dezenas de indicadores específicos ou de interesse em saúde da população negra. No seu município há indicadores específicos sobre saúde da população negra e enfrentamento do racismo institucional. Se sim e específicos, pode relacionar alguns?” a maioria respondeu que não. Uma parcela respondeu utilizar o quesito cor como desagregador de dados de interesse à saúde da população negra. Duas pessoas inscritas, oriundas do mesmo município, apontaram o seguinte indicador:

Indicador 24 – Proporção de notificações de violência interpessoal e autoprovocada com o campo raça/cor preenchido com informação válida 

Uma pessoa informou: Número de Capacitações realizadas em Enfrentamento ao Racismo

Quanto à Oficina

PMSIPN-RJ 5 metas
PMSIPN-RJ: orçamento enquanto ferramenta de monitoramento e avaliação

Como e com quanto se financia especificamente o Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra-PMSIPN? O laboratório de Inovação em Saúde da População Negra (LISPN) com a realização desta Oficina abre este debate, inicia esta construção e espera ter contribuições concretas para sua formulação.

Exercício de imaginação:

Conferência Nacional Livre de Saúde da População Negra (CNSPN)

Eixo IV – Amanhã vai ser outro dia para todas as pessoas

Diretriz: Implementar dispositivos concretos de indução da PNSIPN com ações macropolíticas
(financiamento, regulação, monitoramento e avaliação) e micropolíticas (educação/formação,
comunicação e mobilização), contemplando a pluralidade da população negra brasileira e
reconhecendo suas dimensões de gênero, sexualidades, deficiências e de geração.

Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra – Relatório do GT Lenora Mendes Louro
Situação problema – experiência do(a) paciente – percepção de discriminação no encontro clínico

AçãoEstratégia de OperacionalizaçãoRecursos financeirosIndicadoresMeta (ano/ano)Responsável
Pesquisa (quantitativa e qualitativa) para identificar os efeitos da discriminação racial no acesso à saúdeIncentivo à produção de conhecimento sobre a saúde da população negra, geração de dados
epidemiológicos desagregados por raça/cor, criação de um Observatório sobre saúde da população
negra, indígena e quilombola, ressaltando a sua importância nos processos de saúde/adoecimento
dessas populações (CNSPN).
Porcentagem de pessoas pretas e pardas
que relata comunicação respeitosa com
servidores(as) públicos, comparado com
% de pessoas brancas com igual relato (PMSIPN) .
Experiência positiva do(a) PacientePMSIPN
Comitê local do PMSIPN para trabalho conjunto com a equipe interprofissional de saúde, gestor(a) e trabalhadores(as), bem como parceiros locais para abordar os determinantes sociais da saúde, ao mesmo tempo em que promove a equidade em saúde e aumenta as mudanças na cultura institucional em direção à centralidade da pessoa e ao encontro clínico isento de viesesReconhecimento dos terreiros como espaços sagrados de promoção e cuidado em saúde, seus
praticantes e demais povos tradicionais, como detentores de saberes e práticas terapêuticas não
hegemônicas, revogando o artigo nº 284, do Código Penal, que criminaliza as práticas das tradições
de matriz africana (CNSPN) .
Fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, como porta de entrada aos serviços, com fomento à
intersetorialidade com equipes de saúde da família multiprofissionais, à exemplo do NASF,
capacitadas para acolher e combater situações de racismo e outras formas de discriminação (CNSPN)
PORTARIA GM/MS Nº 230, DE 7 DE MARÇO DE 2023 (Institui o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde – SUS)Porcentagem de pessoas cuidadoras
e/ou responsáveis por usuário(a) de
saúde, que relatam discriminação racial
(devido a cor da pele e/ou pertencimento
a religiões de matriz africana e/ou
pertencimento a povos tradicionais
quilombolas) na Atenção Básica &
Especializada (PMSIPN).
Resiliência da Equipe Interprofissional de Saúde
Cuidado centrado na pessoa, família e comunidade
Melhor uso dos recursos da Rede de Atenção à Saúde
PMSIPN
Matriz de Plano Operativo: um exercício de aprendizagem

Os principais destaques da Oficina são:
👉🏾 A necessidade de construir e manter uma forte parceria com o Conselho Municipal de Saúde para validação do plano operativo.
👉🏾O planejamento em saúde se inicia com a realização das conferências de saúde no âmbito de cada ente federado.
👉🏾 A necessidade de construir e manter uma forte parceria com a Câmara de Vereadores e Vereadoras para validação do plano, alocação ou realocação de recursos, etc.
👉🏾O DigiSUS Gestor é o sistema para registro e consulta de informações relativas aos instrumentos de planejamento do SUS (Plano Municipal de Saúde, por exemplo, Programação Anual de Saúde, Relatórios Quadrimestrais e Relatório Anual)
👉🏾A gestão e o controle social do PMSIPN podem contar com o DGMP/MS no território (Superintendência Estadual/Serviço de Articulação Interfederativa e Participativa [SEINP]) na elaboração dos instrumentos de planejamento em saúde da população negra.

👉🏾A Saúde da População Negra a ser incluída nos Planos de Saúde: municipal, estadual e federal

👉🏾 estar alerta e participar da Programação Anual de Saúde
👉🏾 antes de Inês ser dada como morta, monitorar os relatórios quadrimestrais da gestão pública municipal sobre a execução física, orçamentária e financeira em saúde da população negra.
👉🏾 A execução orçamentária (nacional e estadual) está disponível para acompanhamento pela sociedade civil em https://digisusgmp.saude.gov.br/ (ver a aba Acesso Público). Fica aqui a sugestão para que o município tenha (se não tem) plataforma semelhante. Salvo melhor juízo, tanto a PNSIPN quanto o PMSIPN devem constar nesta diretriz nacional (D3):

Aprimorar as redes de atenção e promover o cuidado integral às pessoas nos vários ciclos de vida (criança, adolescente, jovem, adulto e idoso), considerando as questões de gênero e das populações em situação de vulnerabilidade social, na atenção básica, nas redes temáticas e nas redes de atenção nas regiões de saúde.

Um exercício de aprendizagem

Criar a matriz que articula diretriz, objetivo, meta, ação e indicador é um trabalho continuo e exige expertise. Um desafio!

Em síntese, a gestão orçamentária e financeira em saúde da população negra é uma área estratégica e em desenvolvimento. É necessário formar pessoas com expertise no tema para que a política e programa em saúde da população negra sejam incluídas nos planos de saúde a partir da principal demanda: desconstrução do racismo institucional nos processos do sistema de saúde. Não lutamos para que o(a) gestor(a) capte recurso federal ou estadual e gaste como melhor lhe apraz, excetuando especifica e propositadamente o enfrentamento das discriminações.

Da parte que nos cabe em termos de trabalho, vale ressaltar que o Plano Operativo do PMSIPN, construído de forma participativa, como em qualquer outra política pública, é parte integrante do contrato celebrado entre a Área Técnica do Programa e as áreas prestadoras dos cuidados de saúde à população negra. No Plano Operativo são apresentadas ações, serviços, atividades, recursos financeiros, metas e indicadores quantitativos e qualitativos pactuados entre as partes sob a supervisão do controle social.

Temos muito trabalho pela frente, a saber:
👉🏾inclusão de saúde da população negra no Plano Municipal de Saúde e no Plano Plurianual setorial

👉🏾criação de instrumentos de gestão e indicadores em saúde da população negra

🎯 a curto prazo: Orçamento de Saúde da População Negra no Plano Municipal de Saúde 2025-2029

Bom trabalho!!!

Referências

Cruz, Isabel. Saúde da População Negra Carioca: regulamentando a Lei 7749/22. NEPAE/UFF. Niterói, 08/06/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=2704

*BRASIL. ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE. Laboratórios de Inovação em Saúde (LIS). Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/laboratorios-inovacao-em-saude. Acesso em: 05 ago. 2024.

Cruz, ICF da Audiência Pública – enfrentamento do racismo institucional no SUS. NEPAE/UFF. Niterói, 27/06/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3706

Cruz, ICF da Competência Clínica Estrutural: como desenvolver? NEPAE/UFF. Niterói, 22/07/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3726

Conferência Livre Nacional de Saúde da População Negra. Relatório final. RJ, 26/03/2023. Disponível em https://criola.org.br/confira-relatorio-final-da-conferencia-livre-nacional-de-saude-da-populacao-negra/?doing_wp_cron=1724069067.7795341014862060546875

Conferência Nacional de Saúde. Relatório Consolidado – 17ª CNS. Brasília, junho, 2023. Disponível em https://www.gov.br/conselho-nacional-de-saude/pt-br/assuntos/conferencias/17a-cns/publicacoes/relatorio-consolidado-17a-cns/view

Vídeo da Oficina

Oficina Gestão Orçamentária em Saúde da População Negra

👉🏾Como citar o vídeo: Cruz, Isabel (coord.), Santos, RL da S. Oficina Gestão Orçamentária em Saúde da População Negra. In: Laboratório de Inovação em Saúde da População Negra. Rio de Janeiro, Comitê Técnico de Saúde da População Negra-SMS/RJ, 21/08/2024. Disponível em https://youtu.be/SZolIRqurpU

Como citar:

Cruz, ICF da Laboratório de Inovação: Gestão Orçamentária em Saúde da População Negra. NEPAE/UFF. Niterói, 19/08/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3812

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