Na luta contra as discriminações contra a população negra, há que se preparar para a desconstrução do racismo ambiental e enfrentamento da mudança climática.
Afinal, sem folhas não há orixá.
Saúde, cultura, religiosidade negra…pensando nisso, a Rede de Mulheres Negra-RJ, seguindo com a Marcha das Mulheres Negras pelo bem vive, propôs uma análise não só sobre o impacto da mudança climática sobre a vida das mulheres negras, mas principalmente sobre as estratégias de resistência e promoção da saúde.
O que é mudança climática?
A mudança climática é causada por gases de efeito estufa liberados por combustíveis fósseis (gasolina, por ex) que ficam presos na atmosfera da Terra. Isso está causando o aumento da temperatura média da Terra, ou seja, aquecimento global
No que se refere à população negra, a causa está no racismo ambiental, isto é, processo de discriminação e injustiças sociais que populações compostas por minorias étnicas sofrem, devido à degradação ambiental e em decorrência das mudanças climáticas. O termo, que denuncia uma violação de direitos, mostra que os problemas e impactos socioambientais não atingem igualmente as populações.
Os efeitos das alterações climáticas já estão a prejudicar a saúde humana, tanto a nível global, e a tornar-nos menos resilientes a doenças, tal como asma. Estes efeitos eventos climáticos extremos, causam um aumento de doenças transmitidas por vetores (mosquitos, ratos, por ex.) e alterações nos ecossistemas naturais que ameaçam a qualidade dos alimentos e da água doce.
Dentre as soluções em pauta, considero que o feminismo negro é a principal estratégia de mitigação da mudança climática!
Neste sentido, segundo a agenda de Criola (3023), é preciso que as mulheres negras tenham acesso às políticas públicas econômicas, sociais, culturais, ambientais e climáticas.
Das políticas, destaco o Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra-PMSIPN, Lei Lenora Mendes Louro 7749/22 criado com o firme propósito de desconstruir os racismos e demais ideologias opressivas que impactam o acesso da população negra carioca ao Sistema Único de Saúde (SUS).
PMSIPN-RJ 5 metas
Conforme a agenda de Criola (2023), é necessário o reconhecimento dos grupos, culturas e tradições afro-brasileiras que cuidam do ambiente e do clima.
Nesta área, aponto a iniciativa do CTSPN juntamente com as representações das religiões de matriz africana ao promover a Oficina Makota Valdina para o enfrentamento da dengue na cidade.
Como parte das recomendações da agenda, há a facilitação das mulheres negras para o acesso aos bens comuns. Neste sentido, realizei uma busca assistemática na web e encontrei iniciativas interessantes para mitigar a mudança climática e seu impacto sobre o cotidiano de pessoas, famílias e comunidades, tais como:
Em 2018, o Fórum Permanente Saúde das Populações Vulneráveis (FPSPV) , da disciplina Diversidades, Equidade e Cuidados de Saúde, com apoio do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN), da Universidade Federal Fluminense (UFF), em rede com The Nurses Climate Challenge, promoveu a oficina Acesso à energia sustentável e população vulnerável. O propósito era avaliar o tema “Energia solar social“, ou seja, a adoção e o acesso à energia solar nas casas, instituições e favelas com potencial de proporcionar autonomia e sustentabilidade às famílias e comunidades, contribuindo com a sociedade como um todo.
Com este mesmo propósito, identifiquei cooperativas, tal como a Revolusolar, que atuam no combate à pobreza energética e na transição energética justa, inclusiva e popular. Muitas focam a energia solar social, promovendo o desenvolvimento sustentável de comunidades de baixa renda por meio da energia solar:
👉🏾combina instalações solares com iniciativas de eficiência energética,
👉🏾formação profissional e
👉🏾atividades culturais e educativas para promover o envolvimento ativo da comunidade.
Uma outra iniciativa promissora é o Teto Verde um projeto que acontece na favela no Parque Arará. O teto verde reduz o efeito da ilha de calor urbana (⬇️5,3 graus Celsius (ºC)) e purifica o ar com telhados verdes transformados em jardins ou hortas.
Uma outra iniciativa relevante é o projeto “Pomar Urbano” que busca promover a recuperação ambiental e paisagística em várias cidades e tem como meta construir pomares urbanos públicos nos 5.570 municípios brasileiros, priorizando áreas economicamente desfavorecidas e espécies nativas frutíferas ameaçadas de extinção.
Merece destaque, o que acontece na comunidade do Vale Encantado. A comunidade construiu e usufrui de um sistema de esgoto, o biossistema, que tem um biodigestor o qual, por sua vez, gera biogás usado nas cozinha do restaurante da comunidade, gerando saúde e renda!
Duas iniciativas importantes em andamento são: o reflorestamento pela comunidade do morro da Babilônia e os telhados brancos e coloridos na favela da Maré.
No que se refere à contensão de alagamentos, no Rio de Janeiro só há um único jardim de chuva, infelizmente. Os jardins de chuva são áreas mais baixas que coletam e purificam a água do entorno, reduzem a velocidade do escoamento e a quantidade de água que vai para bueiros e canais.
Há vários tipos de jardins de chuva: escadarias verdes (figura acima), vagas verdes, biovaletas, bosques de conservação, calçadas com poços de infiltração, Land Art, etc. Soluções simples, de baixo custo e que embelezam a região.
Ainda de acordo com a agenda de Criola, é fundamental a participação de mulheres negras, tal como organizadas na Rede, na produção e disseminação de informações e soluções. Esta atividade, por exemplo, é parte desta estratégia.
Vale ressaltar ser importante incluir no nosso calendário de luta o dia 16 de março: Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas.
“Passar cimento no quintal” é um costume que tal e qual às queimadas precisa de uma grande campanha de conscientização sobre o problema que causa, a saber: a ausência de cobertura verde se apresenta normalmente no fenômeno chamado ilha de calor.
Por fim, ainda segundo a agenda de Criola, é preciso garantir a inclusão das mulheres negras e sua participação em todos os espaços de tomada de decisão, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário.
Na interlocução com a área da saúde, destaco que o Ministério da Saúde criou uma sala de situação para monitorar efeitos das emergências climáticas, a saber: secas prolongadas, inundações, queimadas, aumento de temperaturas e ondas de calor, entre outras.
Junto com a ação política por justiça climática, é preciso se adaptar e se preparar de modo a proteger sua saúde. Quais ações políticas você pode tomar para adaptar e proteger a comunidade dos impactos da mudança climática na saúde?
Por exemplo, prepare-se para eventos climáticos extremos. Considere como as mudanças no clima podem impactar suas atividades diárias. Cadastre-se no serviço de alerta da Defesa Civil e receba no seu celular as notícias locais e relatórios meteorológicos para avisos sobre eventos climáticos extremos.
Verifique alertas para estradas e transporte durante eventos climáticos extremos. Ligue ou verifique amigos, familiares e vizinhos vulneráveis. Não confie no celular, tenha anotados seus contatos de serviços de emergência e para quem ligar se precisar de ajuda.
Se possível, adapte o lugar onde mora. Por exemplo, instale cortinas ou persianas no lado da sua casa que fica de frente para o sol para mantê-la mais fresca durante o tempo quente. Considere toldos externos, persianas ou plantio de árvore de sombra (frutífera, se possível) para evitar que o sol brilhe nas janelas. Verifique se geladeira, ventilador e aparelho de ar condicionado estão funcionando corretamente.
Atenção ao armazenamento dos alimentos. Com temperaturas mais altas, o risco de deterioração dos alimentos e intoxicação alimentar aumenta. Lembre-se de limpar as áreas de preparação dos alimentos após o uso para evitar o crescimento de patógenos que podem ocorrer em temperatura ambiente.
Conforme o tempo, considere o transporte ativo: bicicleta ou caminhada e o transporte público (pressão na Prefeitura por ar condicionado e ônibus elétrico). Essas atividades ajudam a reduzir as emissões de gases de efeito estufa de veículos que contribuem para as mudanças climáticas. Além disso, a atividade física pode diminuir seu risco de desenvolver doenças cardíacas, diabetes ou obesidade, doenças crônicas que podem diminuir sua resiliência às mudanças climáticas.
Alimente-se com uma dieta saudável que reduz o risco de doenças crônicas. Dê preferência a comprar alimentos de produtores(as) locais porque isso ajuda a reduzir o impacto do transporte de alimentos e, consequentemente as emissões de gases de efeito estufa.
Mas, e no caso de emergência climática?
Prepare-se desde já. Porque emergência climática pode afetar o fornecimento de serviços essenciais, incluindo eletricidade, gás e água, além de interromper o fornecimento de alimentos, mantimentos e itens essenciais.
Considere uma lista da despensa e outros itens essenciais que podem ser necessários durante uma estadia prolongada em casa. Isso inclui: água, ração para os bichos, alimentos secos e duráveis (comida enlatada, por ex), lanternas e luzes de emergência (rádio de pilha), lampiões ou velas, suprimentos para bebês ou idosos acamados, artigos de limpeza e higiene pessoal, medicamentos de uso contínuo e caixa de primeiros socorros.
Mas, e se precisar sair de casa e ir para um lugar mais seguro?
Se há preocupação com sua segurança, não espere alerta da Defesa Civil para evacuar. Sair cedo é a opção mais segura. Nunca dirija, ande de bicicleta ou ande em meio a incêndios ou enchentes.
Como um guia para o quanto levar, pense no que você precisará se estiver fora por 3 dias. Alguns itens para levar incluem: chaves, dinheiro, cartões de crédito, medicamentos, artigos de higiene, celular e carregador, canivete de bolso, documentos importantes (em um saco à prova d’água), roupas para todos, incluindo uniformes escolares
itens essenciais para bebês, idosos, feridos, pessoas com deficiência, brinquedo favorito do seu filho, comida (ração seca) e água potável (pelo menos 3 litros por pessoa, por dia), bem como itens para seus animais de estimação.
Em síntese, aqui estão algumas recomendações e outras são necessárias conforme a situação como, por exemplo, a permanência em abrigos.
De qualquer modo, é o conhecimento que irá nos preparar para reverter politicamente as mudanças climáticas, assim como nos preparará para as necessárias adaptações e superação do medo e da impotência diante dos desastres. Sigamos juntas.
Referências e links
CRIOLA (Brasil). Agenda das Mulheres Negras Construindo o Futuro com Justiça Climática. Rio de Janeiro: Autora, 2023. 15 p. Disponível em: https://criola.org.br/lancamento-agenda-das-mulheres-negras-construindo-o-futuro-com-justica-climatica/. Acesso em: 25 set. 2024.
Teto Verde: https://rioonwatch.org.br/?p=37358
Energia solar social: https://rioonwatch.org.br/?p=70399
Jardins de chuva: https://www.capital.sp.gov.br/w/noticia/prefeitura-de-sao-paulo-ultrapassa-a-marca-de-200-jardins-de-chuva-na-cidade
Ministério da Saúde: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/ministerio-da-saude-cria-sala-de-situacao-para-monitorar-efeitos-das-emergencias-climaticas
Ações individuais: https://www.health.nsw.gov.au/environment/climate/Pages/simple-steps-to-protect-your-health.aspx
Alertas da Defesa Civil: https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-cadastro-para-recebimento-de-avisos-e-alertas-de-desastres#:~:text=Atualmente%2C%20os%20alertas%20podem%20ser,CEP%20da%20%C3%A1rea%20de%20interesse.
Pomar Urbano: https://frutourbano.org.br
Como citar:
Cruz, ICF da Como promover a saúde da população negra sob mudanças climáticas? NEPAE/UFF. Niterói, 25/09/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=4007