Deveria ser uma lei científica na área da saúde:

“Cuidados prestados, em tempo hábil, por profissionais de saúde qualificados antes, durante e após o parto podem salvar a vida de mulheres e recém-nascidos”.

O problema é que embora não faltem evidências sobre como cuidar da pessoa (mulher cis e homem trans [particularmente a pessoa negra, isto é, preta ou parda] ) no período perinatal, incluindo aqui as situações de abortamento (toda pessoa com útero), a misoginia ainda não foi devidamente enfrentada e desconstruída no sistema de saúde e o resultado mais evidente disso é a elevada taxa de morbi-mortalidade perinatal. Cabe destacar ainda que outro resultado igualmente evidente e frequente é crescente queixa de violência obstétrica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), dentre os fatores que impedem as pessoas gestantes de receber ou procurar atendimento durante a gravidez e o parto, igualmente em situações de abortamento, são as falhas do sistema de saúde que se traduzem em (i) baixa qualidade de atendimento, incluindo desrespeito, maus-tratos e abuso, (ii); números insuficientes e profissionais de saúde com formação inadequada, (iii); escassez de suprimentos médicos essenciais; e (iv) a fraca responsabilização dos sistemas de saúde.

Com base no estudo de Chavane et al [2018] et al sobre tipos de “demora ou atraso” na atenção à saúde, entendo que as falhas i, ii e iii apontadas pela OMS são atrasos tipo III, ou seja, atrasos em receber tratamento adequado.

Dentre as recomendações da OMS, destaco que para melhorar a saúde da pessoa gestante ou em situação de abortamento, as barreiras que limitam o acesso a serviços de saúde obstétrica de qualidade devem ser identificadas e abordadas tanto no nível do sistema de saúde quanto na sociedade em geral (legislativo, judiciário, etc).

O enfrentamento da misoginia no sistema de saúde exige muito do Controle Social, no meu entender. Por esta razão, destaco aqui algumas sugestões da OMS que podem ajudar no enfrentamento da morbi-mortalidade no período perinatal, a saber:

  • Qualificar os Comitês de Prevenção da Mortalidade Materna, Infantil e Fetal (recursos [autópsias para fundamentar as investigações], representatividade ampla e diversa de pessoas e instituições da sociedade civil externa à área da saúde, tal como o Ministério Público, etc)
  • Assegurar a responsabilização dos entes (accountability) (multas? indenizações? pensões? a pensar…) para melhorar a qualidade dos cuidados e a equidade.

Discordo quando a OMS preconiza o conceito de “No Name, No Blame and No Shame” como referencial para as ações de vigilância em mortalidade da pessoa no período perinatal ou em situação de abortamento. A OMS julga que não apontar, não culpar nem difamar quem negligenciou (CPFs e/ou CNPJs) é essencial para o sucesso na implementação do Maternal and Perinatal Death Surveillance and Response (MPDSR).

Isto posto, além da continuidade da luta contra a misoginia e o racismo contra a pessoa negra nas instituições de saúde obstétricas, vale pensar neste 28 de maio como mobilizar a sociedade civil e investir na qualificação dos Comitês de Prevenção da Mortalidade Materna, Infantil e Fetal é para o momento a solução mais viável, no meu entender.

Referências e bibliografias ou links de interesse

Chavane, L.A., Bailey, P., Loquiha, O. et al. Maternal death and delays in accessing emergency obstetric care in Mozambique. BMC Pregnancy Childbirth 18, 71 (2018). https://doi.org/10.1186/s12884-018-1699-z

Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna https://svs.aids.gov.br/daent/centrais-de-conteudos/paineis-de-monitoramento/mortalidade/materna/

Melberg A, Mirkuzie AH, Sisay TA, Sisay MM, Moland KM. ‘Maternal deaths should simply be 0’: politicization of maternal death reporting and review processes in Ethiopia. Health Policy Plan. 2019 Sep 1;34(7):492-498. doi: 10.1093/heapol/czz075. PMID: 31365076; PMCID: PMC6788214.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Perspectiva da eqüidade no pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal: atenção à saúde das mulheres negras / [Maria Auxiliadôra da Silva Benevides; Alaerte Leandro Martins; Isabel Cristina Fonseca da Cruz; e Maria de Fátima Oliveira.].20 p.: il. color. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde) ISBN 85-334-0884-6. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/perspectiva_equidade_pacto_nacional.pdf

CRUZ, Isabel CF da. Brazilian Black Women Maternal Mortality – case study about ethnic iniquity in Healthcare. Journal of Specialized Nursing Care, [S.l.], v. 7, n. 2, july 2015. ISSN ISSN 1983-4152. Available at: <http://www.jsncare.uff.br/index.php/jsncare/article/view/2779/665>. Date accessed: 26 june 2023.

Cruz, Isabel SAÚDE DA MULHER NEGRA Ações afirmativas para a mulher no período perinatal. Disponível em https://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/263/52

Cruz, Isabel Curso Gratuito e Autoinstrucional de Preparo para o Parto e Aleitamento. NEPAE/UFF. Niterói, 08/07/2020. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=1181

Como citar:

Cruz, Isabel. 28/5/2023 – Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna: nada a comemorar. NEPAE/UFF. Niterói, 25/05/2023. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=2753

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