Indubitavelmente, as políticas de equidade social em saúde, em especial, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra-PNSIPN, criam novas demandas para a formação e educação permanente de trabalhadores(as), gestores(as) e profissionais de saúde.
No que se refere ao ensino clínico, seja na área teórico-prática (estudos de casos clínicos, por ex), seja na área prática (estágio supervisionado, por ex), a tríade docente-paciente-estudante exige uma didática especial fundada igualmente na centralidade do(a) paciente e de sua diversidade, bem como no enfrentamento de interseccionalidades no contexto do encontro clínico docente-paciente-estudante.
Isto posto, esta Oficina sobre Ensino Clínico em Saúde da População Negra tem como propósito contribuir para uma área de conhecimento sobre o desenvolvimento de competência clínica estrutural* por meio de experimentos didáticos sobre o enfrentamento do racismo institucional (equidade) tanto no encontro clínico (diversidade) quanto nas instituições da Rede de Atenção à Saúde (RAS) (inclusão).
Salvo melhor juízo, esta Oficina foi proposta, partindo do pressuposto que o planejamento do processo ensino-aprendizagem-avaliação para a competência clínica estrutural segue os princípios da andragogia e da heutagogia os quais possibilitam a aprendizagem mais autônoma e reflexiva.
Na literatura científica, há escassez de estudos sobre ensino clínico e tampouco sobre o ensino clínico em um contexto de ideologias opressivas. Quanto à licenciatura, esta carece de conteúdos e experimentos didáticos relacionados ao ensino-aprendizagem-avaliação no campo clínico, ou seja, conteúdo sobre o(a) paciente pertencente a grupo populacional impactado por ideologia opressiva e experimento didático que inclua o(a) paciente, tanto no processo, quanto no resultado.
Esta Oficina justifica-se pela necessidade de docentes na área da saúde se capacitarem para o processo-ensino-aprendizagem-avaliação sobre o encontro clínico isento de vieses.
O Laboratório de Inovação em Saúde da População Negra (LISPN) convidou para a capacitação os especialistas na área são:
- Valnice Nogueira – Coordenadora Titular da Comissão de Residência Multiprofissional em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo;
- Ronaldo Gismondi – Professor da Universidade Federal Fluminense; Coordenador da Cardiologia do Niterói D’Or; Editor Chefe do Afya-Whitebook; e
- Marcos Campello -Diretor de Teatro Coletivo Transparente; Projeto: Pacientes Padronizadxs: diversidade, equidade e inclusão no ensino-aprendizagem
O público alvo da Oficina são são docentes, gestores(as), profissionais de saúde, bem como o controle social de política e programa em saúde da população negra. A seguir, o perfil dos(as) inscritos(as) e demais informações de interesse para esta área de conhecimento:
No que se refere aos dados sobre o processo ensino-aprendizagem-avaliação sobre o quesito cor, no gráfico a seguir as informações dadas pelos(as) inscritos(as):
No que se refere ao quesito cor, no que se refere ao encontro clínico julgo que é preciso avançar no desenvolvimento de habilidades, além da coleta*.
Na figura acima, apresento uma sugestão de protocolo sobre o item quesito cor na entrevista clínica por entender que este dado é mais do que um dado demográfico. O quesito cor tem o potencial de revelar a qualidade da experiência do(a) paciente no acesso à saúde, bem como funcionar como dado de triagem para a vivência de discriminações. Por meio deste dado, quem entrevista pode ainda ter informação sobre o potencial do(a) paciente para o enfrentamento do estresse causado pelo trauma decorrente da discriminação.
Quanto aos tópicos apresentados para o desenvolvimento de competência clínica estrutural em cursos e disciplinas sobre o cuidado interprofissional centrado na pessoa e sua diversidade, na figura a seguir pode-se notar as escolhas das pessoas inscritas
Na figura a seguir, apresento os tópicos sugeridos pelos(as) inscritos(as) na Oficina:
No que se refere ainda aos tópicos sobre o ensino em saúde da população negra, na perspectiva da PNSIPN e demais políticas municipais, há que se considerar o recurso didático de role playing com pacientes padronizadxs (PP) pertencentes a grupos socialmente vulneráveis (“patient as a teacher”)*.
Um tópico que julgo relevante para o ensino sobre saúde da população negra refere-se ao registro (eletrônico ou não) clínico orientado para problema. Neste sentido, há que se exigir diversidade étnico-racial no prontuário simulado da pessoa utilizado nos treinamentos*.
O edPEP (prontuário educacional da pessoa) permite criar uma variedade de experiências de simulação clínica sob o contexto dos determinantes sociais. Igualmente, possibilita o ensino do raciocínio clínico sobre o impacto das ideologias opressivas no processo de cuidar em saúde em um ambiente de aprendizagem seguro sem a preocupação de causar danos a pacientes reais.
Estas considerações prévias apontam para o necessário planejamento do ensino em saúde da população negra. Portanto, é preciso considerar desde o início quais são os objetivos de aprendizagem.
Na figura acima, está a Taxonomia de Bloom revisada por Anderson e Krathwohl. Nesta versão, foi adicionada a dimensão do conhecimento à taxonomia. Para a área da saúde, é de particular interesse a dimensão “procedural”.
Domínio Psicomotor Domínio afetivo
E, no que se refere a procedimentos, vale destacar o domínio psicomotor (por ex, ser capaz de detectar sinais de comunicação não-verbal ou revisar ou melhorar a comunicação não verbal) incluído na taxonomia de Bloom por Simpson, assim como o domínio afetivo (por ex, ouvir a pessoa com respeito ou valorizar as pessoas pelo que elas são, não pela sua aparência) incluído por Krathwohl e colaboradores.
Uma importante taxonomia para a área da saúde é a pirâmide de Miller com amplos domínios, conforme a figura a seguir.
Os dois níveis da base são do domínio do conhecimento teórico. Já os domínios seguintes reúnem as competências relacionadas à aplicação prática dos conhecimentos adquiridos. O nível “Mostrar como” está relacionado ao domínio psicomotor (exame físico, por ex), mas também ao domínio afetivo ou comportamental (comunicação pacientes e colegas, por ex). O nível do “fazer” trata do desempenho na prática clínica complexa.
A partir dos objetivos, quais experiências de ensino aprendizagem (entrevista clínica com paciente padronizadx, demonstrações*, por ex) e quais exercícios de desenvolvimento de competência clínica estrutural (role play*, casos clínicos, por ex) contribuem para o alcance destes objetivos?
Como avaliar o alcance destes objetivos pelo(a) discente? Como mensurar o aprendizado sobre o encontro clínico sem vieses? Qual tipo de avaliação formativa (rubrica, por ex)?
Ainda sobre avaliação do aprendizado, qual seria a melhor avaliação somativa (entrevista clínica com paciente padronizadx, por ex) no que se refere ao desenvolvimento de competência clínica estrutural?
exemplo de questão
E por falar em avaliação somativa, que tipo de questões sobre competência clínica estrutural em saúde da população negra seriam recomendadas para seleções e concursos públicos?
Cabe observar que até o momento, trato da formação da equipe interpessoal. Julgo que a formação e educação permanente de gestores(as) e demais trabalhadores(as) da Rede de Atenção à Saúde deverão ter além do conteúdo comum sobre o enfrentamento do racismo institucional, outros conteúdos correlatos conforme o cargo ou função
Isto posto, a Oficina Ensino Clínico em Saúde da População Negra tem como objetivo sensibilizar docentes para a produção de práticas de ensino-aprendizagem-avaliação nas quais profissionais, gestores(as) e trabalhadores(as) de saúde controlem seus vieses, assim como reconheçam e respondam aos determinantes sociais (racismo, por ex) que impactam o processo saúde- doença dos(as) pacientes (competência clínica estrutural).
A docência no campo clínico, à luz das políticas de equidade social no SUS, deve ter habilidade em selecionar um referencial educacional que contemple as relações entre docente-paciente-estudante no contexto das instituições de saúde ainda hostis ao cuidado interprofissional centrado na pessoa*, baseado em direitos humanos e evidências.
Inovações já estão em curso e revisar os processos ensino-aprendizagem-avaliação é uma urgência. Por exemplo, o Capítulo 17 da CID-11 aborda as condições relacionadas à saúde sexual e apresenta a condição “incongruência de gênero”, antes considerada afecção de “saúde mental”. Antes desta nova versão da CID, já estava em curso a CIAP2 com o capítulo Z dedicado aos problemas sociais para o diagnóstico clínico.
Bibliografia, referências e links
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Como citar:
Cruz, ICF da Laboratório de Inovação: ensino clínico em saúde da população negra. NEPAE/UFF. Niterói, 30/09/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=4033