A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e o Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra (PMSIPN), da cidade do Rio de Janeiro têm em comum o racismo institucional como marca e o propósito de reduzir as desigualdades em saúde, bem como qualificar o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse contexto, e texto com a ajuda de Iaiá, organizei pelo Laboratório de Inovação em Saúde da População Negra (LISPN) uma Oficina sobre o E-SUS APS, visando a inclusão da Saúde Digital no enfrentamento das ideologias opressivas no ponto do cuidado.

Oficina E-SUS Atenção Primária à Saúde (E-SUS APS) – LISPN/CTSPN-SMS-RJ

Salvo melhor juízo, a implementação efetiva do E-SUS Atenção Primária à Saúde (E-SUS APS) emerge como uma ferramenta estratégica para alcançar o “quintuple aim” em saúde da população negra.

O Laboratório de Inovação em Saúde da População Negra (LISPN) convidou para esta Oficina os especialistas na área:

👉🏾Dr. Rodrigo Gaete, coordenador-geral de Inovação e Aceleração Digital da Atenção Primária (CGIAD/Saps/MS) e

👉🏾Dr. Webster Pereira, Líder de Expansão e Qualificação do e-SUS APS (CGIAD/SAPS/MS).

O público alvo da Oficina são são docentes, gestores(as), profissionais de saúde, bem como o controle social de política e programa em saúde da população negra.

Por que o E-SUS APS é tão relevante para a população negra?

  1. Gestão Baseada em Dados: O E-SUS APS permite coletar e analisar dados de saúde de forma mais precisa e detalhada, identificando, neste caso, as necessidades específicas da população negra. Com informações concretas, é possível direcionar recursos e ações de forma mais eficaz, combatendo o racismo institucional (iniquidade nos resultados terapêuticos da população negra comparada ao grupo hegemônico) e promovendo a equidade.
  2. Acesso Facilitado e Qualificado A saúde digital pode superar barreiras geográficas e socioeconômicas, ampliando o acesso aos serviços de saúde para a população negra, especialmente em áreas remotas ou de violência urbana ou com poucos recursos. Teleconsultas, monitoramento remoto e aplicativos de saúde podem transformar a forma como o cuidado é oferecido e contribuir para melhores resultados terapêuticos. Cabe observar que a introdução da Inteligência Artificial, é possível identificar nas notas clínicas os determinantes sociais que podem impactar no seu tratamento, incluído nestes determinantes o racismo, a misoginia e o misogynoir, ente outros.
  3. Cuidado Centrado na Pessoa: O E-SUS APS possibilita um acompanhamento mais individualizado e contínuo da pessoa negra em sua trajetória pelo SUS, considerando suas particularidades culturais e sociais. Igualmente, propicia avaliar, em tempo real, a qualidade do cuidado prestado, intervindo se preciso. Permite também analisar a interação paciente-profissional durante o encontro clínico. Prontuários eletrônicos, alertas personalizados e planos de cuidado individualizados contribuem para um cuidado mais humanizado e eficaz.
  4. Autonomia e Participação: Ao promover a transparência e o acesso à informação, o E-SUS APS fortalece a autonomia da pessoa negra, uma vez que ela é a dona de seu prontuário. Se assim for, ou seja, se for realmente dona de seu prontuário eletrônico, ela poderá participar ativamente do seu próprio cuidado, contribuindo também para a (re)formulação de políticas de saúde.
  5. Monitoramento e Avaliação: O E-SUS APS permite monitorar e avaliar o impacto das ações e políticas voltadas tanto para o cuidado individual quanto para a saúde da população negra, identificando o que funciona e o que precisa ser aprimorado. Com base em evidências, é possível tomar decisões mais assertivas e garantir a efetividade das iniciativas, seja no projeto terapêutico individual, seja na gestão da Unidade de Saúde.
O moderno já nasce obsoleto. Conforme a imagem, o E-SUS APS não sintetiza no Painel de imediato o quesito cor, necessário para monitorar o Racismo Institucional em temo real e tomar as providências devidas

Os Desafios da Implementação:

Tal como o PMSIPN carioca, a implementação do E-SUS APS enfrenta desafios significativos. Dentre os desafios, destaco a falta de infraestrutura, a capacitação inadequada dos(as) profissionais de saúde e, em especial, a resistência à mudança. Quer maior desafio do que a resistência da gestão do SUS em implantar a PNSIPN mesmo sendo lei? Superar esses obstáculos é fundamental para garantir que a estratégia de saúde digital seja um recurso na implantação do PMSIPN e beneficie a população negra de forma equitativa.

O que vamos fazer?

  • Sensibilizar: Discutir a importância do E-SUS APS para a saúde da população negra em eventos, redes sociais e espaços de diálogo. Esta Oficina é uma iniciativa nesta direção.
  • Capacitar: Oferecer treinamentos e recursos para que os(as) profissionais de saúde e gestores(as) utilizem o E-SUS APS de forma eficaz e sensível às necessidades da população negra, bem como para o enfrentamento dos determinantes sociais da saúde no ponto do cuidado.
  • Monitorar: Acompanhar a implementação do E-SUS APS, identificando os desafios (vieses opressivos nos algoritmos, por ex) e oportunidades (identificação e monitoramento de iniquidades raciais e de gênero, por ex) para garantir que a população negra tenha os melhores resultados terapêuticos sendo assistida por equipe interprofissional de saúde qualificada e em quantidade necessária à sua segurança clínica.
  • Participar: Envolver a população negra, ou seja, o controle social, no planejamento e na avaliação das ações e políticas de saúde digital. Vamos começar exigindo o quesito cor no Painel do E-SUS APS?

Durante a Oficina, foi ressaltada a importância de incluir no PPA municipal 2026-2029, as demandas de interesse à implementação do PMSIPN com o suporte das TICDs. Com a ajuda de Iaiá, elenco aqui alguns objetivos e estratégias:

Objetivo Estratégico: Ampliar o acesso equitativo à informação em saúde para a população negra através de tecnologias digitais.

Programa: Plataforma Digital com Informação de Interesse em Saúde da População Negra (Quesito cor autodeclarado, Povos de Terreiro, Quilombolas, Serviços com práticas de medicina de matriz afro-indígena, etc).

Entrega: Disponibilização de materiais informativos e educativos sobre saúde da população negra e enfrentamento do racismo institucional na plataforma.

Indicadores: Percentual de usuários negros que relatam ter encontrado informações úteis para a sua saúde na plataforma; número de teleconsultas da(o) enfermeira(o) realizadas com usuários negros através da plataforma; e percentual de profissionais de saúde que utilizam a plataforma para fornecer informações aos pacientes negros.

Objetivo Estratégico: Fortalecer a competência estrutural clínica e digital dos(as) profissionais de saúde para a qualificação do cuidado à população negra.

Programa: Capacitação em Saúde (Digital) da População Negra para Profissionais do SUS.

Entregas: Realização de webinars e workshops sobre o uso de ferramentas digitais no monitoramento do PMSIPN (gestão em saúde e do cuidado baseada em dados – Health Intelligence) e no cuidado à população negra; integração de temas como “iniquidades raciais em saúde” e “controle dos vieses implícitos” nos cursos e processos de formação permanente da área da saúde.

Indicadores: Número de profissionais de saúde capacitados no programa, desagregado por categoria profissional e nível de atenção; percentual de profissionais que relatam se sentir mais seguros no uso de tecnologias digitais para a gestão do cuidado da população negra após a capacitação (produção de relatórios com dados desagregados pelo quesito cor); percentual de prontuários eletrônicos com o quesito raça/cor preenchido de forma adequada (autodeclaração), após a implementação do programa de capacitação; número de relatos de discriminação racial nos serviços de saúde envolvendo o uso de tecnologias digitais (ou ausência deste uso quando necessário), comparado com o período anterior à capacitação.

Objetivo Estratégico: Fortalecer a produção, análise e disseminação de dados desagregados pelo quesito cor e outros dados referentes aos determinantes sociais (incluindo gênero, religião e pertencimento a povo tradicional – quilombo), situação de saúde e acesso à Rede de Atenção.

Programa: Sistema Municipal de Informação em Determinantes Sociais da Saúde (SIM-DSS)

Entregas: Desenvolvimento e implementação de painéis de monitoramento online (dashboards) acessíveis a gestores, profissionais de saúde e sociedade civil, com indicadores desagregados por raça, cor, gênero, faixa etária, religião de matriz africana e outros determinantes sociais relevantes (território, escolaridade, renda), conforme preconizado pela Estratégia e-SUS APS para visualização abrangente dos dados; Realização de análises epidemiológicas regulares (anuais, trimestrais) sobre as tendências das desigualdades raciais e de gênero na morbimortalidade, no acesso aos serviços (consultas, exames, internações), e nos indicadores relacionados a determinantes sociais como violência (incluindo motivação racial e de gênero), saneamento básico, educação, e trabalho; produção e disseminação de boletins informativos, relatórios e publicações que traduzam os dados e análises em informações acessíveis para diferentes públicos, incluindo o movimento social negro e comunidades tradicionais de terreiro. Incentivo à produção científica sobre a saúde da população negra.

Indicadores: Percentual de campos raça/cor e religião de matriz africana preenchidos corretamente nos diferentes sistemas de informação em saúde; disponibilidade e frequência de atualização dos painéis de monitoramento com indicadores desagregados; número de análises epidemiológicas realizadas e divulgadas focando nas desigualdades raciais e de gênero; número de publicações e boletins informativos produzidos e disseminados; variação nas taxas de morbimortalidade por principais agravos (mortalidade materna, mortalidade infantil, HIV/Aids, tuberculose, doença falciforme, violência) desagregadas por raça, cor e gênero ao longo do tempo; tempo médio de espera para consultas e exames especializados para a população negra em comparação com outros grupos.

Objetivo Estratégico: Utilizar os dados monitorados para orientar a formulação, implementação e avaliação de políticas e ações de saúde integral para a população negra, com foco na redução das iniquidades e no enfrentamento do racismo institucional.

Programa: Gestão Baseada em Dados de Equidade Racial na Saúde

Entregas: Revisão e atualização contínua do Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra com base nos dados monitorados, priorizando áreas com maiores iniquidades e incorporando ações transversais de combate ao racismo institucional, interpessoal e internalizado; implementação de intervenções específicas direcionadas ao enfrentamento do racismo institucional no ponto do cuidado, ou seja, iniquidades de saúde identificadas nos dados, em tempo real, em programas de rastreamento e tratamento para doenças prevalentes ou não na população negra, ações de redução da mortalidade materna negra, e iniciativas de promoção da saúde mental com foco no impacto do racismo institucional e interpessoal; e monitoramento e avaliação das ações implementadas utilizando os dados coletados para verificar a efetividade das políticas na redução das desigualdades e no combate ao racismo.

Indicadores: Existência e atualização do Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra alinhado aos dados monitorados; implementação de intervenções específicas nas áreas prioritárias identificadas pelos dados; nível de participação e influência do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social; realização de parcerias e apoio a iniciativas de valorização dos saberes populares de saúde; resultados das avaliações de efetividade das políticas implementadas na redução das iniquidades (por ex: redução da razão de mortalidade materna negra, aumento da produção de mamografias em mulheres negras na faixa etária preconizada); variação nos indicadores de acesso (consultas, exames, procedimentos especializados, inclusive) da população negra ao longo do tempo, buscando a equidade com outros grupos; e percepção da população negra sobre a qualidade e a adequação dos serviços de saúde (através de pesquisas de satisfação e ouvidoria, com coleta do quesito raça/cor).

Ficam aqui registradas algumas sugestões para o debate sobre PPA e saúde (digital) como recurso do PMSIPN para promoção da equidade e qualificação do acesso.

Enfim, o E-SUS APS não é apenas uma ferramenta tecnológica, mas um instrumento de transformação social que, dependendo de cada um de nós, pode contribuir para a construção de um sistema de saúde mais justo e equitativo para a população negra e demais grupos populacionais impactados por ideologias opressivas (LGBT+, Povo Cigano/Romani, Pop Rua, entre outros). Junte-se a nós nessa jornada!

Referências e links

CRUZ, ICF da Olá, eu sou Iaiá, assistente virtual de Isabel Cruz. NEPAE/UFF. Niterói, 04/02/2025. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=4302

Cruz, ICF da Laboratório de Inovação: saúde (digital) da população negra. NEPAE/UFF. Niterói, 06/11/2024. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=1570

Cruz, ICF da Considerações sobre uma instância de gestão em Saúde da População Negra. NEPAE/UFF. Niterói, 14/07/2023. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=3301

Shah YB, Goldberg ZN, Harness ED, Nash DB. Charting a Path to the Quintuple Aim: Harnessing AI to Address Social Determinants of Health. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2024; 21(6):718. https://doi.org/10.3390/ijerph21060718

Como citar:

Cruz, ICF da E-SUS APS: implicações para a Saúde da População Negra. NEPAE/UFF. Niterói, 21/03/2025. Disponível em https://nepae.uff.br/?p=4409

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